quinta-feira, 23 de agosto de 2012

O ovo

         Você estava no seu caminho para casa quando morreu.

Foi um acidente de carro. Nada especial, mas fatal de qualquer maneira. Você deixou para trás uma esposa e dois filhos. Foi uma morte indolor. Os médicos tentaram o máximo para te salvar, mas em vão. 

Seu corpo estava tão destruído e desfigurado que foi melhor ter morrido, acredite em mim.

E ai foi quando você me conheceu.

"O que... o que aconteceu?" Você perguntou. "Onde estou?"
"Você morreu," Eu disse, sem rodeios. Não tem porque medir palavras nesse momento.

"Havia um... um caminhão e ele estava derrapando..."
"exato," Eu disse.

"Eu... eu morri?"

"Sim. Mas não se sinta mal. Todo mundo morre," Eu disse.
Você olhou ao redor. Não existia nada. Somente você e eu.

 "Que lugar é esse?" Você perguntou. "Isto é a vida após a morte?"

"Mais ou menos," Eu disse.

"Você é deus?" Você perguntou.

"Sim," Eu respondi."Eu sou Deus."

"Meus filhos... minha esposa," Você disse.

"O que que tem eles?" 

"Eles vão ficar bem?" 

"Isso que eu gosto de ver," Disse. "Você acabou de morrer e sua maior preocupação é a sua familia. Isso é coisa boa."

Você me olhou fascinado. Pra você eu não parecia como Deus. Eu parecia como um homem qualquer. Ou possivelmente uma mulher. Talvez um semblante vago de uma autoridade. Mais parecido com um professor de grámatica do que com o todo poderoso.

"Não se preocupe," Eu disse. "Eles vão ficar bem. Seus filhos lembrarão de você como alguém perfeito em todos os sentidos. Eles não tiveram tempo de criar desprezo por você. Sua esposa vai chorar 

no lado de fora, mas estará secretamente aliviada. Para ser honesto, seu casamento estava arruinado. Se serve como algum consolo, ele vai se sentir muito culpada por ter se sentido aliviada."

"Oh," você disse. "E o que acontece agora? Eu vou para o céu ou inferno ou coisa assim?"

"Nem um dos dois," eu disse. "Você reencarnará."

"Ah," você disse. "Então os hindus estavam certo,"

"Todas as religiões são certas do seus próprios jeitos," eu disse. "Venha comigo."

Você me seguia enquanto nós passávamos pelo vazio. "Onde estamos indos?"

"Nem um lugar em particular," eu disse. "É simplesmente bom caminhar enquanto conversamos."

"Então, qual é o propósito?" Você perguntou. "Quando eu renascer eu serei uma mente vazia, certo? Um bebê. Então todas as minhas experiências e tudo que eu fiz nessa vida não importarão."

"Na verdade não!" Eu disse. "Você tem todo os conhecimentos e experiências de todas as suas vidas passadas. Você simplesmente não se lembra deles agora."

Eu parei de andar e peguei-o pelos ombros. "Sua alma é mais magnifica, linda e gigantesca do que você pode imaginar. A mente humana consegue conter apenar uma pequena fração do que você realmente é. É como colocar seu dedo em um copo de água para ver se esta quente ou fria. Você coloca uma parte minúscula sua no recepiente, e quando tira, ganha todas as experiências que ali existia.

"Você tem sido um humano pelos últimos 48 anos, então nao conseguiu aind alcançar e sentir todo o resto de sua imensa consciência. Se ficassemos aqui por um tempo, você começaria a relembrar tudo. 

Mas não faz sentido fazer isso entre cada vida."

"Quantas vezes eu já reencarnei então?"

"Ah, muitas. muitas e muitas. E em muitas vidas diferentes." Eu disse. "Dessa vez você será uma camponesa chinesa em 540 D.C."

"Espere, o que?"Você gaguejou. "Você está me mandando de volta no tempo?"

"Bem, sim tecnicamente. Tempo, como você conhece existe somente em seu universo. As coisas são diferente da onde eu venho."

"E de onde você vem?" você disse.

"Ah claro," eu expliquei "Eu venho de algum lugar. Algum outro lugar. E existem outros como eu. Eu sei que você quer saber como é la, mas honestamente você não entenderia."

"Oh," você disse, um pouco decepcionado. "Mas espere. Se eu reencarnar em outros lugares no tempo, eu posso ter, em algum momento, interagido comigo mesmo."

"Claro. Acontece sempre. E com as duas vidas conscientes apenas de sua própria vida, você sequer sabe que está acontecendo."

"Então qual é o propósito disso tudo?"

"Sério?" eu perguntei. "Sério? Você está me perguntando o sentido da vida? Não é um tanto clichê?"

"Bem, é uma pergunta sensata convenhamos," você persistiu.

Eu olhei em seu olho. "O sentido da vida, o porque de eu ter criado todo esse universo, é para você amadurecer."

"Você quer dizer a humanidade? Você quer que nós amadureçamos?"

"Não, somente você. Eu fiz esse universo para você. Com cada vida nova você cresce e amadurece e fica com um intelecto maior."

"Somente eu? E as outras pessoas?"

"Não existem outras pessoas," eu disse. "Nesse universo somos somente eu e voce."

Você me olhou sem entender. "Mas todas as pessoas na terra..."

"Todas você. Encarnações diferentes de você."

"Espere. Eu sou todo mundo!?"

"Agora você está entendendo," eu disse, com um tapinha de congratulações nas costas.

"Eu sou todos os humano que já viveram?"

"Ou que viverão, sim."

"Eu sou Abraham Lincoln?"

"E você é John Wilkes Booth, também," eu disse.

"Eu sou Hitler?" Você disse estupefato.

"E você é os milhões que ele matou."

"Eu sou Jesus?"

"E todo mundo que o seguiu."

Você ficou em silêncio.

"Toda vez que você vitimizou alguem," eu disse, "Você estava vitimizando a si mesmo. Todo momento feliz e triste que alguém alguma vez vivenciou foi, ou será vivenciado por você."

Você ficou pensando por um longo tempo.

"Por quê?" Você me perguntou. "Por que fazer isso tudo?"

"Porque um dia, você será igual a mim. Porque é isso o que você é. Você é meu semelhante. Você é meu filho."

"Uau," você disse, descrente. "Você quer dizer que eu sou deus?"

"Não. Ainda não. Você é um feto. Você ainda está crescendo. Uma vez que você tenha vivido todas as vidas humanas, você terá crescido o bastante para nascer."

"Então o universo inteiro," você disse, "É simplesmente..."

"Um ovo." Eu respondi. "Agora é hora de você ir para sua próxima vida."

E eu mandei você para o seu caminho de volta.

-Traduzido de "The egg, by Andy Weir," http://www.galactanet.com/oneoff/theegg_mod.html

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Precursor


"Quando a humanidade se basear em apenas UM livro, saberemos que o fim está próximo..."
(Jean C. Sodré)